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Quem não fecha os olhos quando sente dor?

Lembrou um poema, que dizia: "De tudo, ao sofrimento foi atento, E com empenho, e sempre, e tanto, Que mesmo em face do maior tormento, Seu peito exclamou: nunca mais eu canto!" E cerrando os olhos com dor Em cada lágrima, cada pranto, Bebeu em versos seu dissabor, E se fechou no próprio manto. O céu se vestiu com noite, sem cor, Fechou os olhos em silêncio e com temor, Acendeu no escuro a chama dos olhos da alma, E encontrou no vazio o leito que lhe acalma. O vagalume apagado perguntou: De quem são esses olhos que a noite procura, No frio desse silêncio, na escuridão serena? Quando a alma, qual neblina, flutua, obscura, E a dor, em grito velado, tem sido mais amena. A noite respondeu: São tochas acesas de fogo contra fogo, Encerrando a morte num caixão de vida; No clamor da provação, a alma reerguida, Veja, pirilampo, com teus olhos, tudo de novo. por Janderson Gomes, reflexões em 14 de agosto de 2024 ⁂

Amor e a Flor da Vida


A afeição, como um sopro tênue nascido das brumas de ideias, resplandece em atos sob o nome de amor, quando a sentimos habitar em nós, mesmo que por um breve instante, ou quando a negamos, proclamando nunca tê-la conhecido.

E encontras o amor nos gestos simples do cotidiano: no sorriso compartilhado, no canto dos pássaros, na suavidade de um toque, na paciência de ouvir. Ainda que o tenhas chamado por outro nome, seu destino parece traçado, mesmo sob o peso das adversidades, revelando uma imagem turva. 

No entanto, um cordão de prata reluzente acena com um pingente de ouro, a essência do amor. Mas, quando o amor se ausenta, sentimos um aperto na garganta e um murmúrio em nossos corações que diz: "Ai de nós, onde está o amor no coração do homem?".

Uma vez o mestre disse ao seu discípulo: "Observa o jardineiro que cuida das flores. Ele não espera retribuição, mas alegra-se em ver as flores desabrocharem. Assim é o amor verdadeiro."

Certamente duvidaste em teu íntimo ao ouvir o mestre, perguntando-te onde se encontra essa flor em que posso me alegrar. Emerge ela, no jardim, da parte onde há o lago da razão? Ou é o lago que precede a flor, ou a flor que antecede o lago? Seja qual for a ordem, essa flor, delicada, abriga em sua sombra o espinho contundente que sustenta a orbe de nossas experiências. Pois, tendo-a plantado o Jardineiro, ainda que não possamos cultivá-la, porém alegrando-nos com seu desabrochar, somos similar a ela.

Uma flor perene que exala perfumes em nossas almas quando somos coerentes com nossa essência, e nos fere com espinhos de harmonia a casca de nossas consciências quando não verdadeiras.  Sob a luz do sol, deixa impressões profundas no lago da razão, refletindo suas pétalas e espinhos como sombras nas tradições filosóficas e culturais ao longo do tempo. 

E antes que os grandes pensadores desvelassem contornos em alguns mistérios da existência, as antigas civilizações já contemplavam o amor como um mistério sagrado, mesmo antes de definirmos o que não é amor.

Em terras antigas, os primeiros registros surgiam como encantos, revelando o amor em sua face heroica, fraterna e cotidiana, ao enlaçar momentos e memórias com os fios invisíveis do tempo. Nas paragens banhadas por caudalosos rios, cânticos sussurraram a beleza e a intimidade, celebraram a união amorosa como um êxtase divino. A deusa em busca do amado perdido, o símbolo de devoção eterna, ressoou na alma dos poetas e dos primeiros amantes.

Com o advento da primavera, o amor floresceu como uma flor de sete pétalas, cada uma tingida com as cores da alma humana, refletindo também nas águas cristalinas do lago da razão. 

A prima pétala que se abre no desejo ardente, aquele que incendeia os sentidos, nos impulsiona a buscar também a beleza e a satisfação dos anseios sensoriais mais profundos. É o fogo que eleva o espírito, transmutando o desejo carnal em uma compreensão sublime do amor, onde o físico e o etéreo são pedaços de um espelho refletindo a si mesmo pela primeira vez.

No reflexo, os raios de luz da amizade íntima, tal qual uma estrela cintilante no firmamento, guia da consciência através da virtude e do crescimento pessoal a partir da escuridão. Ela celebra o encontro das almas, adorna-se de confiança e companheirismo entrelaçados em um abraço que será eterno. 

Do abraço eterno de quem se vê, cintila a dança que seduz, o amor sedutor, lúdico, com suas peripécias encantadoras, expressa os corações com jogos e risos, traz a força da conquista e a leveza do flerte em contemplação de seus passos, como um vento suave que refresca a alma e umidifica a superfície altaneira do monte Aónio.

Eles, o real e a imagem, reflexos coabitando um no outro, contemplando a união familiar, profunda e enraizada, nutrindo reflexos de si, vínculos entre pais e filhos, irmãos, parentes ou próximos, tal qual uma árvore cujas raízes se entrelaçam no solo fértil do jardim da vida.

E, assim como uma floresta unida ama a si mesma tanto quanto ama a mais alta de suas copas, também ama a menor e  mais delicada de suas flores, o amor próprio, equilibrado e saudável, é essencial para o bem-estar emocional, uma fonte de força interior que nos sustenta e nos dá a confiança para florar.

Florescendo nós mesmos e o tempo, o amor companheiro, compatível e de compromisso mútuo se revela, cresce como uma planta robusta, resistindo às tempestades e desabrochando na compreensão e na harmonia com suas flores de paz.

E tingida com sete cores, a sétima pétala, o amor altruísta e desinteressado, tal qual uma candeia que ilumina a escuridão, manifesta-se no cuidado compassivo pelos outros. É o amor que não conhece limites, que se derrama em gestos de bondade e compaixão à vida em si e a todas as suas manifestações, um prelúdio da mensagem eterna que faz do coração reto e justo a sua humilde morada.

Com a chegada da Luz, o amor, essa flor forte, guia por caminhos tortos, transformando sombras em perdão e serviço, revelando-se como um ideal Divino e, ainda assim, profundamente humano. Une corações em uma melodia celestial, que ressoa até mesmo no átrio dos corações selvagens. Fala habilmente em castelos e catedrais, cortês e nobre, e eleva aos céus quem pela caridade faz do amor sua devoção.

As sete pétalas e o oitavo espinho, a flor que ama o Sol e sua Luz de todo o coração, alma e forças, e também o lago como a si mesma, o espinho que a protege, renova-se como uma harmonia universal, unindo o novo ao velho, o perfeito ao mundano. É a força que nos guia na busca pela verdade, beleza e bondade, retribuindo atos de amor às carências na vida, onde o fôlego e o choro se encontram, e também o espírito e o cravo se despedem em um laço eterno.

Cada forma de amar é o mesmo céu azul celeste visto d'outro ângulo, reluzindo a sombra da flor no lago, profundo, misterioso e sublime. Infinito, no horizonte, é o seu limite para quem o busca tocá-lo sem caminhar, mas cabe no brilho dos olhos de quem ama e o vê em todo lugar.

por Janderson Gomes.
Reflexões em 22 de Junho de 2024.

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