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Quem não fecha os olhos quando sente dor?

Lembrou um poema, que dizia: "De tudo, ao sofrimento foi atento, E com empenho, e sempre, e tanto, Que mesmo em face do maior tormento, Seu peito exclamou: nunca mais eu canto!" E cerrando os olhos com dor Em cada lágrima, cada pranto, Bebeu em versos seu dissabor, E se fechou no próprio manto. O céu se vestiu com noite, sem cor, Fechou os olhos em silêncio e com temor, Acendeu no escuro a chama dos olhos da alma, E encontrou no vazio o leito que lhe acalma. O vagalume apagado perguntou: De quem são esses olhos que a noite procura, No frio desse silêncio, na escuridão serena? Quando a alma, qual neblina, flutua, obscura, E a dor, em grito velado, tem sido mais amena. A noite respondeu: São tochas acesas de fogo contra fogo, Encerrando a morte num caixão de vida; No clamor da provação, a alma reerguida, Veja, pirilampo, com teus olhos, tudo de novo. por Janderson Gomes, reflexões em 14 de agosto de 2024 ⁂

Cavalo Lavradeiro

Ó cavalo lavradeiro, raio de luz que se espraia sobre os vastos campos varridos por ventos alísios, qual espírito antigo que vaga certeiro entre caminhos de lavrado. 

Tuas crinas, desatadas ao sopro do vento,  lembram a sagrada Tapirapé sob o manto de uma noite estrelada, trazendo à lembrança memórias de tempos idos, quando, junto ao cume da Pedra Pintada, onde sombras vermelhas dos ancestrais sussurraram segredos esquecidos sobre a rocha.

Amado ginete, cujas pegadas desenham um lamento de saudade do lago Parimé, como se teus olhos, de pedras preciosas, fossem palavras escritas narrando as lendas do Eldorado, 

E o vento, bardo silente, aguardasse para entoá-las, carregando na voz a dor do desterro e a nostalgia dos prados perdidos. 

Nobre indômito, que sem repouso cavalga, por entre os sonhos dos homens e a realidade dos deuses que contigo habitam. Ora és miragem, ora fantasma, de uma terra circulada pelo homem, mas por Deus ilimitada.

Em teus relinchos ecoam as vozes dos antigos que outrora sobre ti buscaram cavalgar, lançando-se à conquista dos infinitos horizontes, como se o mundo fosse um verso inacabado de uma caçada épica do Macuxi.

Na imensidão que se esdente diante dos majestosos tepúis, onde a natureza se faz senhora e o tempo é eterno, eu te  vi, ó filho das estrelas e do rincão Roraimense, ser coroado de liberdade. 

tu, irmão do  vento, que passa e não se prende, que sopra e não se cala, e que, em seu silêncio, sente as dores dessa terra, tua mãe zelosa, que te abraça. 

Tu, que galopas por campos de ouro e por veredas esquecidas de diamante, és também o anseio profundo dos que buscam sem jamais encontrar, do amor que se dá sem jamais retornar, da saudade pungente por aquilo que nunca foi. 

Ah, quantas vezes teus cascos de buriti tocaram as margens dos igarapés, em noites iluminadas por Jací, enquanto teus olhos, feito orbes de saudade, contemplavam nossa rainha, Vitória Régia.

Quantas manhãs, nas silenciosas auroras, teu corpo se banhava nos orvalhos da alegria, pois, ó cavalo lavradeiro, és o legítimo herdeiro de toda a Serra-Grande e de seu esplendor, onde fizeste teu lar em campo aberto, mas que o homem hoje insiste transformar em cárcere.

Livre e abençoado, teu nome é murmurado pelos espíritos dos anciãos da aldeia, que de ti se lembram como o mensageiro das planícies, o portador das memórias e dos contos além do tempo. 

E assim, cavalga tu, na eternidade do destino, como a luz dourada do teu pelo que jamais se desvanece, como um mito que vive nas profundezas da alma daqueles que em ti veem o reflexo de seus próprios sonhos e desalentos. 

Eterno viajante dos prados sem fim, tu és tudo aquilo que é belo e inalcançável, livre e, contudo, eternamente cativo. 

Que teu galope perdure, forte e deliberado, pelos vastos lavrados, ecoando o pulsar dos corações dos povos que, com a força de mil gerações, hoje se acalentam na esperança de uma terra que, como tu, guerreiro, é livre e herança sagrada dos primogênitos de Monte Roraima.


Por Janderson Gomes
Reflexões em 28 de Junho de 2024

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