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Anoitece em Santa-Cecília (Roraima)
Quando a noite cai, e a madrugada, lentamente, esfria o solo ardente do lavrado, um véu cuidadoso envolve Santa-Cecília, mergulhando a vila em um manto de serena desolação.
As sombras se alongam sobre os caminhos de barro e as adormecidas construções, quais guardiãs silenciosas dos segredos noturnos do lavrado, ocultos dos olhos curiosos que percorrem a BR-401.
Emoções felinas, quais sombras furtivas, escalam os frios muros de tijolos úmidos e sem pele, buscando refúgio na escuridão que teme a luz dos postes, humildes servos do sol em seu turno noturno.
A lua cheia invernal de junho estende seu abraço suave e acolhedor, tingindo a rodovia de cinza e projetando sombras sobre os telhados prateados das palafitas madeiradas, onde nascem os tijolos, à beira da estrada.
Cada raio de luz lunar é como um pincel delicado, esboçando cintilantes cenas de Rio Branco para as casas do Sumaúma.
As corujas assumem seu posto entre o profundo silêncio quebrado pelo vento que sibila, nas esquinas da introspecção vigiada por cães selvagens.
Os ventos com embriaguez arenosa, serpenteiam pelos buritizais, banham-se nos igarapés e vagueiam pelas ruas desertas, passarelas das corais e dos tamanduás.
Ventos alísios que não conhecem culpa e tampouco arrependimento; sua presença, inocente e invisível, toca janelas e memórias adormecidas dos habitantes da vila.
As estrelas, tímidas, refletem-se nas poças d'água, numerando-se como suas irmãs celestes, e fazem companhia às lâmpadas de vapor de sódio, em seu labor de iluminar os caminhos dos que percorrem as trevas do bairro.
Cada reflexo estelar é um lembrete do infinito que fez de nosso coração sua humilde morada, d'onde se vê uma janela aberta para os mistérios do cosmos, que se estendem além da Serra Grande, terra de deuses em malacacheta e de antigos vaqueiros de caraumã.
O aroma fresco do lavrado, ora úmido, ora seco, traz consigo a melodia olfativa que permeia o ar de petricor, mesclando-se ao canto dos grilos e ao farfalhar das folhas de caimbé.
Uma sinfonia suave e contínua, envolve os corações dos raros transeuntes em um momento de paz e serenidade, como se o próprio lavrado respirasse em uníssono com os seres acolhidos junto em seu seio.
Os pés de manga, embalados por uma brisa lenta, giram a roda de vento da fazendinha, e dançam juntos a canção das nuvens lavradeiras, velando a presença das aves adormecidas em suas camas de galhos e folhas.
O lavrado à beira do rio, neste instante, é uma catedral, onde a liturgia das noites exalta serenidade, ancestralidade e paz, enquanto eu cá adormeço em ti, vila de meu coração.
Por Janderson Gomes
Reflexões em 27 de Junho de 2024
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