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Incompletude de Kurt Gödel
Certa vez, o polímata húngaro John von Neumann (1903-1957) escreveu que Kurt Gödel era absolutamente "único" e pertencia a uma classe especial de pensadores e, ao descrever a prova de 1931 do teorema da incompletude de Gödel, von Neumann chamou o feito de "singular e monumental", e acrescentou, "na verdade, mais do que um monumento, um marco que permanecerá visível para sempre, no espaço e no tempo. O campo da lógica nunca mais será o mesmo.".
Von Neumann indiscutivelmente não estava sozinho em sua admiração por Gödel. O então jovem Alan Turing (1912-1954) procurou por Gödel em 1936 para discutir sua própria reformulação monumental do resultado da incompletude de Gödel, que revelou os limites da prova e da computação. E perto do fim de sua vida, Albert Einstein (1879-1955) confidenciou a Oskar Morgestern (1902-1977) que, embora seu próprio trabalho não significasse mais tanto, ele ia ao Instituto apenas... pelo privilégio de caminhar de volta pra casa com Gödel.
Muitos, se não a maioria dos gigantes matemáticos do século XX, reverenciavam Kurt Gödel. E em 1974, foi agraciado com a Medalha Nacional de Ciência pelo então presidente dos EUA Gerald Ford por, em grande parte sozinho, ter lançado as bases para o florescente estudo da lógica matemática que temos nos dias de hoje.
Kurt Gödel (1906-1978), por Arnold Newman em 1956. |
Teoremas da Incompletude
No final do século XIX, a filosofia do conhecimento era vista como algo praticamente consolidado, e muitos estudiosos acreditavam que poucas descobertas realmente inovadoras restavam a ser feitas. No Congresso Internacional de Matemática de Paris, em 1900, o brilhante David Hilbert, influenciado pelas ideias predominantes, apresentou uma lista de 23 problemas que ainda precisavam ser solucionados, acreditando que, uma vez resolvidos, poderiam completar o entendimento da matemática.
Hilbert tinha como objetivo mobilizar a comunidade científica para estabelecer uma base lógica definitiva para a matemática, e em grande parte isso foi alcançado, com várias das questões por ele levantadas sendo resolvidas nos anos seguintes.
No entanto, em 1931, enquanto a proposta de Hilbert para uma construção matemática completa através da lógica formal ainda prevalecia e Hilbert celebrava sua aposentadoria, Kurt Gödel publicou seu famoso trabalho "Sobre Proposições Indecidíveis", mudando radicalmente o cenário. Na Universidade de Princeton, o respeitado John von Neumann, que também trabalhava na proposta de Hilbert, rapidamente reconheceu a importância dos resultados de Gödel e passou a apoiá-los.
É interessante o fato de que, nas anotações de Gödel, há somente uma referência cristã - e foi justamente ao provar a incompletude matemática, escreveu "Que Maria, Mãe de Deus, tenha piedade de mim!"
Pode-se afirmar que, neste ponto, os matemáticos perderam seu próprio não, isto é, a matemática não poderia ser usada para provar a própria matemática. Além disso, as próprias hipóteses propostas poderiam ser indemonstráveis, ou mesmo alguns dos 23 problemas de Hilbert podem não ter solução em passos matemáticos bem definidos.
Ao mesmo tempo, na física, a teoria quântica avançava, e em 1927, Heisenberg já havia introduzido seu "Princípio da Incerteza", impondo um limite às observações diretas no mundo microscópico. Esse foi outro golpe nas visões deterministas da ciência.
Posteriormente, Church e Turing mostraram que não há algoritmo capaz de determinar se uma proposição pertence ou não a uma teoria de forma geral.
Curiosamente, até 1963, nem Gödel nem outros matemáticos haviam exemplificado o conceito de indecidibilidade. Foi então que o jovem Paul Cohen, de Stanford, desenvolveu uma técnica para testar proposições indecidíveis, demonstrando que a hipótese do continuum, uma das questões mais fundamentais da matemática, era de fato indecidível.
Iniciou-se, assim, uma nova era, onde problemas não solucionados se confundem com problemas não solucionáveis, e não há mecanismo efetivo conhecido que permita distinguir um do outro.
E agora?
Icônico retrato de Kurt Gödel, por Arnold Newman em 1956. |
- Primeiro Teorema da Incompletude: Todo sistema matemático, poderoso o suficiente para descrever a computação, é incompleto ou inconsistente.
- Segundo Teorema da Incompletude: Um sistema matemático consistente não pode provar sua própria consistência.
Em primeiro lugar, o termo “poderoso o suficiente para descrever computação” — ou “suficientemente expressivo”, como às vezes é chamado — não deve nos assustar. Em termos gerais, a maioria dos sistemas matemáticos com os quais nós, que não somos matemáticos por formação, nos preocupamos, possui essa propriedade. Não vamos nos aprofundar nisso, pois não é essencial para nossa compreensão.
Com essa observação em mente, o primeiro dos dois teoremas nos diz que todo sistema disponível para nós é ou incompleto ou inconsistente. Isso significa que ou existem afirmações verdadeiras em nosso sistema que nunca seremos capazes de provar, ou o nosso sistema se contradiz (é inconsistente). Como dissemos antes, não queremos que nossos sistemas sejam inconsistentes, então só nos resta esperar que eles sejam incompletos. O uso da palavra “esperar” na frase anterior não é por acaso. Gostaríamos de ter uma maneira de provar que nosso sistema é de fato incompleto e não inconsistente, mas aí entra o segundo teorema de Gödel, que nos priva dessa possibilidade.
Por outro lado, como ainda não nos deparamos com nenhuma inconsistência, tomamos praticamente como certo que nossos sistemas são consistentes, mas incompletos. Vamos refletir por um momento sobre o que isso implica.
O que acabamos de admitir é que existem algumas verdades fundamentais e profundas sobre a matemática e o nosso universo, de modo geral, que nunca seremos capazes de descobrir. A realidade não é “logicamente incompleta”. Nós simplesmente ainda não temos as ferramentas certas para compreendê-la plenamente. Não é uma questão de inteligência ou habilidade matemática. Não estamos esperando que o próximo Euler ou Gauss venha nos salvar. Simplesmente, isso não é possível. Uma recomendação bastante comum de alguém que ouve essa revelação pela primeira vez é adicionar as afirmações “não demonstráveis” como axiomas em nossos sistemas. No entanto, isso não adianta, pois ao adicionar mais axiomas, criamos um novo sistema matemático que ainda estará sujeito aos dois Teoremas da Incompletude. Não há como escapar.
As implicações filosóficas dos Teoremas da Incompletude são enormes. Pelo que sabemos, não há outro teorema na matemática que possa se igualar à comoção causada pelo trabalho de Gödel quando foi publicado pela primeira vez. Matemáticos que haviam dedicado toda a vida em busca de uma prova para certas afirmações matemáticas agora se deparavam com a possibilidade de que todo o seu trabalho tivesse sido em vão. Uma pergunta constantemente surgia na mente de cada matemático ao decidir se valia a pena enfrentar um novo problema: "E se ele não puder ser provado?".
Kurt Gödel é considerado por muitas pessoas um dos maiores lógicos que já existiram e descrito também como o mais importante filósofo desde Aristóteles. Como já mencionamos diversas vezes, suas contribuições para a matemática são inestimáveis. No entanto, o processo de pensamento e a filosofia de Gödel eram muito mais complexos do que o que se pode deduzir apenas por suas conquistas matemáticas. Ele era um radical platônico e racionalista, com algumas crenças metafísicas, de certo modo, controversas.
Platonismo e Racionalismo Matemático
A matemática é uma manifestação refinada do pensamento humano. Ela representa a capacidade dos seres humanos de produzir pensamentos lógicos e conexões sobre objetos e entidades abstratas. Além disso, a matemática constitui uma ponte que os humanos construíram entre os fenômenos misteriosos e complicados do nosso mundo físico e o conhecimento humano. É surpreendente, ao se pensar nisso, que a própria ferramenta que nos permite compreender o mundo físico tenha uma natureza abstrata.
Considerando a importância da matemática para a evolução da história e da civilização humanas, não deve ser surpreendente que ela sempre tenha desempenhado um papel primordial no desenvolvimento da filosofia. Uma das visões filosóficas mais interessantes sobre a própria essência da matemática é chamada de Platonismo Matemático.
"O platonismo sobre a matemática (ou platonismo matemático) é a visão metafísica de que existem objetos matemáticos abstratos cuja existência é independente de nós e de nossa linguagem, pensamento e práticas. Assim como elétrons e planetas existem independentemente de nós, os números e os conjuntos também existem. E, da mesma forma que as afirmações sobre elétrons e planetas são consideradas verdadeiras ou falsas com base nos objetos aos quais se referem e nas propriedades perfeitamente objetivas desses objetos, o mesmo se aplica às afirmações sobre números e conjuntos. Portanto, as verdades matemáticas são descobertas, não inventadas." - Stanford Encyclopedia of Philosophy.
Além disso, pode-se observar ainda que o platonismo matemático geralmente anda de mãos dadas com outra doutrina filosófica, o racionalismo.
"O racionalismo é a visão filosófica de que o intelecto e a razão são as verdadeiras fontes do conhecimento absoluto."
De acordo com o Racionalismo, adquirimos informações apenas por meio da lógica e da razão. Essa visão se opõe ao Empirismo, que afirma que o conhecimento vem de nossos sentidos e exclusivamente deles. E, embora, geralmente considerado incorreto, podemos pensar no Platonismo Matemático como uma forma de racionalismo radical e mais extremo, mas que não se limita a uma simples continuidade das ideias dessa corrente filosófica.
- O mundo é racional;
- A razão humana pode, em princípio, ser desenvolvida de maneira mais elevada (por meio de certas técnicas);
- Existem métodos sistemáticos para a solução de todos os problemas (incluindo a arte, entre outros);
- Existem outros mundos e seres racionais de diferentes e superiores naturezas;
- O mundo em que vivemos não é o único em que viveremos ou já vivemos;
- Há incomensuravelmente mais conhecimento a priori do que o que atualmente se conhece;
- O desenvolvimento do pensamento humano desde a Renascença é completamente compreensível;
- A razão na humanidade se desenvolverá em todas as direções;
- Direitos formais constituem uma ciência real;
- Materialismo é falso;
- Os seres superiores estão conectados aos demais por analogia, e não por composição;
- Conceitos têm uma existência objetiva;
- Existe uma filosofia e uma teologia científicas (exatas), que lidam com conceitos de alta abstração; e isso também é extremamente frutífero para ciência;
- As religiões, na maioria das vezes, são ruins - mas a religião em si não é.
"Vim ao Instituto apenas... para ter o privilégio de caminhar na volta pra casa com Gödel." — Albert Einstein
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